O amor das empresas por burocracia morosa, tecnologias herdadas e procedimentos profundamente enraizados está nos matando”, escrevem Bill Jensen, consultor em design organizacional, e Josh Klein, consultor em hacking, no livro Hacking work: breaking stupid rules for smart results (ed. Portfolio). Os autores demonstram como regras e hierarquias podem sufocar qualquer coisa que se assemelhe a inovação e mostram a cura para o mal: o hacking no ambiente de trabalho.

Assim como o famoso “jeitinho brasileiro”, o termo “hacking” é aqui entendido como a prática de contornar regras a fim de fazer as coisas acontecerem – especialmente, regras tecnológicas. Os autores insistem que não estão liderando uma revolução, e sim relatando o que já acontece em toda grande organização. “Os líderes continuam definindo regras que criam ilusão de controle –mas é uma ilusão”, dizem.

Vocês dizem que “nos tornamos escravos de nossa "infraestrutura" -das ferramentas de controle, dos procedimentos e requisitos"  e definem o inimigo como "regras estúpidas", falta de bom senso e é assim porque eu mandei". Quais são as principais queixas das pessoas com quem vocês conversam?

Josh Klein: As queixas quase sempre têm a ver com algo que esteja impedindo as pessoas de fazer melhor seu trabalho. Pode ser um processo que as faça preencher formulários demais ou uma plataforma que seja realmente inconveniente, mas nunca são queixas do tipo “Detesto meu trabalho”. Elas querem dizer: “Gostaria de poder fazer o que faço de um jeito melhor”.

Bill Jensen: O problema central é de design organizacional. Todas essas coisas –a infraestrutura e suas ferramentas, processos etc.– são criadas com base na perspectiva da organização, em vez de na do usuário. O que os hackers estão fazendo é alertar: “Esse processo é ótimo para gerir 100 mil pessoas, mas é chato para mim, o indivíduo”.

São problemas inerentes a qualquer organização?

Jensen: À organização industrial. Ainda estamos tentando gerir a economia do conhecimento e dos serviços como se estivéssemos na era industrial.

As pessoas precisam de mudanças naturais para que façam as coisas de seu modo, baseadas em iPhones,iPads, Blackberries ou outro dispositivo qualquer. Em vez das empresas, foi a economia do consumidor que possibilitou que mais ferramentas estivessem disponíveis para as pessoas trabalharem como desejarem. Isso significa que, para serem eficazes, funcionários individuais precisam estar mais no controle das coisas.

Então, a maior parte do hacking é gerada por simples frustração?

Jensen: Sim. Não se trata de pessoas fazendo coisas más. Todos com quem conversamos estão fazendo o hacking benevolente. Eles dizem: “Quero servir o cliente. Para isso, não vou seguir as regras exatamente como você quer que eu faça. Vou contorná-las”.

É fácil ver como a maioria dos sistemas é centrada na empresa. No livro, porém, vocês dizem que várias organizações, como a GE, acreditam ser centradas no usuário, de cima a baixo, mas não o são. O que estão fazendo de errado?

Klein: As empresas podem estar criando infraestrutura e processos que tornam as coisas simples para os líderes, mas rígidas para quem, de fato, realiza o trabalho. Isso significa que todos têm de trabalhar mais, gastar mais tempo em reuniões, em vez de apenas apertar um botão. As pessoas talvez precisem passar por 10 ou 20 passos de segurança para fazer algo, porque o sistema é criado principalmente para promover a segurança da companhia, e não para ajudar os funcionários a entregar o produto nas mãos do cliente, por exemplo. Ninguém olha para os sistemas de baixo para cima.

Parece que, na maior parte do tempo, o problema são os sistemas atualmente instalados. Para mudar, é preciso muito esforço e dinheiro?

Klein: A evolução tecnológica acontece cada vez mais rapidamente. É inovação de ruptura e não combina com os longos ciclos de vendas, compras e integração que as grandes organizações têm hoje. O governo norte-americano ainda está em dúvida sobre permitir ou não o Twitter nas reuniões, mas todos os estagiários já usam essa rede constantemente –até em reuniões. As empresas levam muito tempo para descobrir o que isso significa, quais suas ramificações e como pode ser distribuído equitativamente. Enquanto isso, o Twitter torna-se padrão de facto para comunicação e contextualização em tempo semirreal. É sobre esse equilíbrio que tentamos falar: como fazer uso de todas essas novas ferramentas e capacidades e como dar poder aos funcionários para tomarem decisões, entregando valor para os acionistas e reduzindo o risco?

Jensen: A primeira mudança que tem de acontecer é na atitude dos executivos. A maioria das empresas ainda está sob a impressão de que elas estão no controle de tudo –e não estão. Todo colaborador anda por aí, em sua vida pessoal, com o poder de fazer conexões entre documentos, enviar documentos a qualquer lugar, comunicar-se com qualquer um. Há aplicativos para tudo.

Klein: Um rapaz de 20 e poucos anos me contou que, antes de iniciar uma negociação, revisava alguns contratos com seu chefe e, então, decidiu fotografar um deles com seu iPhone, usando o aplicativo Evernote, que faz reconhecimento óptico de caracteres. Com isso, ele converteu o documento em texto que podia ser copiado e colado, e cujo conteúdo era possível pesquisar em um banco de dados. O que o rapaz fez, essencialmente, foi criar uma ferramenta para que seu chefe comparasse todos os contratos. Esse é o tipo de desvio e contorno que temos visto e que está dando poder aos indivíduos.

Mas também há risco nisso, não? As pessoas supõem que estão em um sistema fechado, seguro, mas agora a informação está potencialmente aberta...

Jensen: Sim e não. Nesse caso, o rapaz deu poder a seu chefe e uma vantagem competitiva importante à companhia. A abordagem estratégica realmente perigosa é assumir que seja um sistema fechado. Você precisa aceitar o fato de que seus bons funcionários estão fazendo coisas como tirar fotos daquela maneira apenas para ser eficientes, sem qualquer malícia. Se partir da premissa de que sua infraestrutura é, de fato, um sistema aberto, vai começar a redesenhar as regras e determinar um tempo para, por exemplo, orientações sobre ética. Você tem de se desapegar da ilusão de controle.

Klein: Quanto mais preocupada com segurança e controle a empresa for, mais hacking estará acontecendo.

Jensen: Claro que, quando uma companhia dá poder às pessoas para encontrar soluções, isso não é hacking, e sim fazer um trabalho melhor.

Pelo livro, tenho a impressão de que o software livre, em boa medida, viabiliza o hacking. Os chefes realmente estão preocupados com qual software sua equipe usa?

Klein: As empresas investiram muito em soluções como SAP e ERP e não podem evitar tentar controlar o coração e a mente das pessoas. Estive na Holanda recentemente, em uma companhia listada entre as Fortune 100. Fui convidado para fazer uma apresentação interna. Um dos retornos que tive nos formulários de avaliação foi que havia violado a política sobre o modo de apresentar slides. Essa é uma empresa da Fortune 100, e a ninguém é permitido compartilhar ideias, a menos que sejam formatadas em um template específico? Esse é o tipo de bobagem com que todo mundo tem de lidar.

Jensen: Ser forçado a seguir todas essas regras estúpidas é como ser devorado por formigas de fogo, para você ter ideia de como pode ser ruim para as pessoas – elas se sentem como se tivessem sido picadas até a morte. Conheço uma organização da Europa na qual se estima que 60% do tempo é gasto em tarefas administrativas, em fazer coisas que a “infraestrutura” empresarial deveria fazer.

Por exemplo, uma encomenda não entrou no sistema apropriadamente porque faltou quem a aprovasse. Quando finalmente aprovou, o pedido, que tinha como destino um prédio na China, não pôde ser entregue porque a “infraestrutura” não aceitou que aquele fosse o andar correto e o produto ficou parado no prédio, três andares abaixo. E o cliente nunca o recebeu. São coisas idiotas assim.

Os funcionários estão se sentindo assassinados por isso tudo. Eles têm de pegar o telefone e perder três horas do dia compensando as falhas. Alguém me contou que trabalhava em uma empresa que possuía um sistema automatizado de reserva de salas de reunião e que, depois de fazer 16 ligações, ainda não havia descoberto com quem falar e como reservar uma sala. Dezesseis ligações! E não há ninguém da diretoria que diga: “Vocês estão cientes de que nossas vendas estagnaram porque as pessoas estão fazendo 16 chamadas telefônicas para reservar uma sala quando deveriam estar vendendo?”.

Mas a equipe de TI não definiu os procedimentos por alguma razão? Não há riscos em burlar as barreiras?

Jensen: Há riscos, sim. Mas vamos acordar! Já está acontecendo. E acontece porque ninguém da cúpula está focado nas necessidades do colaborador. Então, o risco real é você dar um tiro no próprio pé, ao presumir que sua infraestrutura é um sistema fechado quando o pessoal o trata como aberto.

Vocês dizem que os hackers trabalham para o bem dos empregadores. Então, estes deveriam agradecer-lhes?

Jensen: Mas não o fazem. Há poucas exceções de gestores que não buscam a ilusão do controle –os altos executivos não gostam que se desafie a ilusão de que controlam tudo. Uma delas é Tony Hsieh, da Zappos [de comércio eletrônico de calçados], que diz: “O cliente é o mais importante e, se você levar seis horas ao telefone para solucionar um problema dele, está tudo certo. Não vou fazer regras e normas. Estes são os objetivos, estes são os valores. Siga-os, eu confio em você”. Assim, as pessoas não viram hackers. Quando elas descobrem um jeito de facilitar as coisas, a resposta na Zappos é: “Nossa, bem inovador!”.

Klein: Tony Hsieh costuma contar a história de uma mulher que ligou para o serviço de atendimento ao cliente da Zappos para devolver um par de calçados comprado para o marido que havia falecido. A atendente enviou flores à viúva. O que aconteceria em outro ambiente? Algum chefe poderia dizer: “Você gastou US$ 20 em flores? Não está em seu orçamento”. A cliente, porém, ficou muito impressionada e escreveu uma crítica positiva em um blog importante, e a funcionária do atendimento foi bem elogiada.

Só para comparar, trabalhei para uma companhia em que um funcionário perdeu um parente e, então, não pôde comparecer naquele dia ao trabalho. Um e-mail automatizado foi, por isso, enviado a ele, dizendo que haveria um desconto em seu salário por causa da falta. As pessoas que descobriram isso ficaram paralisadas pelo medo de serem repreendidas pelos gestores se fizessem qualquer coisa a respeito daquilo. Assim, o funcionário enlutado não recebeu mais nenhum e-mail, somente aquele avisando que seu salário sofreria desconto. Ele se demitiu. Trata-se, em essência, da mesma situa­ção nos dois casos, mas encarada de modo muito diferente, em razão da cultura corporativa e da liderança.

Mas a cultura mudará um dia? Vocês escrevem: “Tão logo as coisas voltam a funcionar, volta-se ao controle de cima para baixo, o que significa que as inovações acontecerão só quando a sujeira atingir o ventilador de novo”.

Jensen: A necessidade de criar a ilusão de controle sempre houve na história da humanidade. O que pode mudar é a maneira como lidamos com isso.

Klein: O que mudará é que, conforme a visão mais orgânica e centrada nos funcionários alcançar bons resultados, as empresas a aceitarão mais.

E o pior cenário, qual é?

Jensen: É a força de trabalho dar um passo atrás e dizer: “Não vou me arriscar”. Seria terrível.

“O governo norte-americano ainda está em dúvida sobre permitir ou não o twitter nas reuniões, mas todos os estagiários já usam essa rede constantemente –até em reuniões”

Saiba mais sobre Jensen e Klein

Bill Jensen é CEO do The Jensen Group e expert em simplificar o trabalho, para que as pessoas trabalhem melhor. Entre seus clientes estão GE, American Express e Merrill Lynch. Josh Klein é consultor de empresas como Microsoft, Oracle e Nokia. Sua área de expertise é o hacking, seja de sistemas sociais, redes de computadores, instituições, comportamento animal ou editoras. É também especialista em novas tecnologias que melhorem a vida das pessoas. Juntos, Jensen e Klein escreveram o livro digital Hacking work: breaking stupid rules for smart results (ed. Portfolio).

“há poucas exceções de gestores que não buscam a ilusão do controle, como Tony Hsieh, da Zappos, que diz aos funcionários: `eu confio em você'. Assim, as pessoas não viram hackers”