A última década diluiu a fronteira que separa o universo dos empreendedores sociais do ambiente de negócios. O desejo de desenvolver produtos e serviços de que as pessoas realmente precisam e de gerar impacto em larga escala levou a um boom de empreendedores sociais que analisam seus projetos à luz da viabilidade financeira, muitos dos quais formados por prestigiosas escolas de administração.

Eles experimentam modelos operacionais e de negócio até encontrar o que de melhor se encaixe, avaliam sua sustentabilidade e cuidam para garanti-la. Sob sua batuta, os projetos sociais vêm se afastando do modelo tradicional, baseado na caridade e nos subsídios do setor público e se aproximando de pessoas, empresas e mercados internacionais, por conta da globalização.

Paralelamente, uma nova geração de homens e mulheres de negócios, preocupados em fazer do planeta um lugar melhor, transformou-se em patrocinadora de muitos desses projetos por meio de fundações próprias. Desde Bill Gates e sua organização, Bill & Melinda Gates, passando por Jeff Skoll, criador do eBay, e sua Skoll Foundation, a Sergey Brin e Larry Page, fundadores do Google e da Google Foundation, já são mais de 600 filantropos multimilionários no mundo –e também empreendedores– que financiam empreendimentos de impacto, conforme dados de John Elkington e Pamela Hartigan, autores de Empreendedores sociais –o exemplo incomum das pessoas que estão transformando o mundo (ed. Campus/Elsevier).

A transformação também atingiu o setor corporativo, que não faz muito tempo perdeu legitimidade diante de consumidores e clientes por causa de práticas empresariais pouco atentas às demandas e às necessidades da sociedade. As empresas mais avançadas entenderam que seu sucesso no longo prazo dependeria de quanto agregariam da variável social em sua equação de ganhos.

Tal processo abriu o caminho para a criação de poderosas alianças entre companhias e empreendedores sociais, cujo trabalho conjunto tem o potencial de gerar mercados e redefinir setores de atividade inteiros, ao mesmo tempo que procura resolver os problemas mais relevantes da humanidade: pobreza, desigualdades, fome, doenças, poluição e outras questões vinculadas ao meio ambiente.

Acadêmicos e especialistas até falam do surgimento de um novo paradigma econômico, anunciado há mais de duas décadas pelo fundador do Grameen Bank, Muhammad Yunus, quando propôs o conceito de “empresa social”, tipo de organização que gera rendimentos em benefício de quem trabalha nela e para a sociedade. Na época, Yunus, pai dos microcréditos, dizia que o mundo estava nos primórdios de um novo capitalismo, atento às necessidades mais urgentes da humanidade.

Isso vem sendo reforçado por especialistas como Michael Porter [veja HSM Management nº 88, página 42] e pela dupla David Bornstein e Susan Davis, que, no livro Social entrepreneurship: what everyone needs to know (ed. Oxford University Press), afirmam: “As empresas perceberam que os empreendedores sociais oferecem novas oportunidades de gerar ganhos, porque funcionam como uma via de acesso aos grandes mercados do mundo”, e acrescentam que, dentro de poucos anos, a inovação provirá da confluência entre o ambiente de negócios e o setor social.

Segundo a Ashoka, os empreendedores sociais influenciam as empresas também em produtividade, tamanho, alcance e liderança Empreendedorismo social

Negócios que mudam o mundo

De acordo com o primeiro relatório mundial sobre empreendedores sociais, realizado pelo instituto de pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) em 2009, quase 2% da população adulta está envolvida em alguma atividade social, em áreas que vão de educação e desenvolvimento econômico à preservação do meio ambiente. Uma minoria significativa lidera iniciativas sem fins lucrativos seguindo preceitos de ferramentas de negócios e muitos dos que ainda não trabalham nesse sentido expressaram vontade de implementar projetos desse tipo em um futuro próximo.

O estudo do GEM envolveu 49 países e descobriu que grande parte das pessoas acha que a diferença conceitual entre empreendedores sociais e empreendedores de negócios é artificial e que seria bom ter uma definição mais holística para captar o verdadeiro alcance do que está acontecendo.

“Os empreendedores sociais estão influenciando as companhias no que se refere a eficiência, produtividade, tamanho, alcance e liderança”, dizem Bill Drayton, fundador da Ashoka, a maior associação de empreendedores sociais do mundo, e Valeria Budinich, vice-presidente da organização e diretora do programa Full Economic Citizenship Initiative (FEC), que facilita as alianças comerciais entre empreendedores sociais e corporações para o desenvolvimento de produtos e serviços dirigidos aos setores de baixos recursos.

Em um artigo publicado em 2010 na Harvard Business Review, Drayton e Budinich advogaram que a humanidade está atravessando um momento único em sua história: “As empresas têm a oportunidade de trabalhar com essas organizações para resolver problemas em larga escala que nenhum ator pôde resolver sozinho”.

Porém, hoje, essas organizações adotaram modelos diferentes dos seguidos no passado. Se há uma década raramente ouvia-se falar de empresas “híbridas” –que combinam o modelo filantrópico com a busca de lucros–, atualmente elas são cada vez mais comuns nos Estados Unidos, Europa e, recentemente, também na Ásia e na América Latina. Alguns países, inclusive, criaram nomenclaturas para oficializá-las. Na Grã-Bretanha há a denominação Community Interest Company (CIC), em que se permite ao proprietário gerenciar um negócio em benefício de seus funcionários e da comunidade em que operam. Nos Estados Unidos, análoga à CIC é a Low-profit, Limited Liability Company (L3C).

As empresas híbridas costumam ser divididas nas que almejam lucros e nas que não têm fins lucrativos. Em alguns casos, uma é subsidiária da outra, mas também podem estar unidas por contratos de longo prazo que obrigam cada uma das partes a satisfazer as necessidades básicas de sua entidade-irmã.

A cadeia de valor híbrida

Bangladesh é um dos países mais pobres do mundo. Segundo dados do Unicef, 84% da população vive com menos de US$ 2 por dia; 30% de seus habitantes e 56% das crianças menores de 5 anos sofrem de desnutrição de moderada a severa, as taxas mais altas do planeta. Em 2006, o Grameen Group e a Danone uniram-se para criar o Grameen Danone Foods, cujo objetivo é fabricar iogurtes fortificados para as crianças. O empreendimento também é projetado para melhorar a qualidade de vida de todos os participantes da cadeia de valor: o leite é comprado de pequenos produtores da região; os iogurtes são comercializados de porta em porta e, a custo muito baixo, por mulheres da comunidade, que antes estavam desempregadas; a energia usada na produção é solar e o material das embalagens, biodegradável.

O caso Grameen Danone é um exemplo do que Drayton e Budinich apontam como elemento fundamental do novo paradigma econômico, concordando com Michael Porter: a criação de valor compartilhado –um conceito que impulsionará a próxima onda de crescimento global.

A ideia, aplicada às empresas, implica gerar valor econômico levando em conta os desafios e as necessidades da sociedade, de tal forma que a melhora da produtividade corporativa será moldada pela criação de valor social. Na prática, o conceito traduz a “cadeia de valor híbrida” (Hybrid Value Chain, HVC).

As HVCs refletem o ponto de encontro entre as empresas, as organizações não governamentais (ONGs) e outros atores do setor público. Elas englobam uma mudança sistêmica na forma como esses atores interagem, porque tendem a capitalizar sinergias e forças complementares para incrementar benefícios, baixar custos e realizar a missão de cada participante, que só deve preocupar-se em fazer o que sabe. “O poder transformador das HVCs não tem precedentes”, diz Porter, que desenvolveu o conceito nos anos de 1980 com um grupo de consultores da McKinsey & Co.

Cada vez mais empresas participam dessas iniciativas, na maior parte das vezes, concebidas e lideradas por empreendedores visionários que, como não estão presos ao pensamento de negócios tradicional, podem identificar as melhores oportunidades para criar valor compartilhado. Enquanto as empresas contribuem com sua experiência em produção, capacidade de gerar escala e gerenciamento de operações e finanças, os empreendedores colaboram com os baixos custos, as fortes redes sociais e o amplo conhecimento de suas comunidades e dos potenciais clientes.

O poder transformador das cadeias de valor híbridas é enorme: empresas entram com gestão; empreendedores sociais, com baixo custo e clientes

O mercado como ferramenta social

A Healthpoint Services Global é uma dessas empresas híbridas de origem indiana, fundada pelos empreendedores sociais Al Hammond e Amit Jain. Ela integra uma ampla e complexa cadeia de companhias e ONGs, capitais de risco e fundos de investimento social, todos unidos pelo objetivo de oferecer serviços de saúde de baixo custo nas áreas rurais da Índia.

Suas clínicas, as E Health Points (EHP), estão baseadas no uso da telemedicina. Pacientes que antes precisavam viajar mais de 24 horas para ir ao médico –perdendo tempo valioso de trabalho– agora podem ser atendidos perto de seus lares e a baixo custo. Cada consulta custa US$ 1 e a maioria dos exames, menos de US$ 0,50. As clínicas também comercializam água potável, mediante uma parcela anual de US$ 0,05 por dia de consumo; quando os clientes vão às sedes para buscar a água, os profissionais do centro conversam com eles sobre a importância de usar água limpa para prevenir doenças.

Sem dúvida, as maiores oportunidades de fazer a diferença com negócios em larga escala encontram-se hoje nos países emergentes, justamente nesses setores não reconhecidos como mercados viáveis.

Estima-se que durante o século 21 a população mundial chegará aos 10 bilhões de pessoas. Enquanto os habitantes de algumas nações envelhecem, outros países experimentam uma explosão de nascimentos. A vida torna-se mais concentrada nas cidades; há crescente migração de habitantes de áreas rurais para urbanas. Segundo Elkington e Hartigan, por ano cerca de 70 milhões de pessoas deixam o campo em direção às metrópoles. Em resultado, um em cada três indivíduos terminará vivendo marginalizado ou em terras invadidas. Em 2030, serão 2 bilhões de moradores ilegais nas cidades. O dado surpreendente é que esse segmento é o maior construtor de moradias do planeta.

No mundo, mais de 4 bilhões de pessoas vivem com menos de US$ 5 diários. São os pobres que formam a base da pirâmide social, segundo a concepção do grande estrategista C.K. Prahalad. Desse total, 1 bilhão vive com US$ 1 ao dia; 1,6 bilhão com US$ 1 a US$ 3; e 1,4 bilhão com US$ 3 a US$ 5.

Esses grupos constituem um mercado potencial gigantesco. Estima-se que, somados, seus integrantes tenham rendimentos anuais próximos a US$ 5 trilhões. Ao tentar estreitar as enormes distâncias entre os mais pobres e os mais privilegiados, os empreendedores sociais estão abrindo as portas dos mercados formais a esses milhares de milhões de potenciais consumidores.

 As maiores oportunidades de fazer a diferença com negócios em larga escala estão hoje nos mercados “não viáveis” dos países emergentes

Empreendimentos para o Primeiro Mundo

Filho de ingleses, Nick Moon nasceu em Mumbai, Índia. Em 1992, fundou a empresa híbrida KickStart Kenya, com o objeto de estimular o crescimento de um setor empreendedor que ajudasse a criar uma classe média na África. A organização desenvolve e comercializa tecnologias de baixo custo que os empreendedores africanos usam para constituir pequenas empresas, principalmente relacionadas com o setor agrícola e pecuário.

Em meados de 2011, a KickStart já havia tirado da pobreza mais de 577 mil pessoas com a criação de 115 mil pequenas empresas, que geram US$ 116 milhões em benefícios e salários anualmente. A visão de Moon é que os empreendedores que hoje compram a tecnologia da KickStart sejam amanhã os clientes da John Deere e da Caterpillar, líderes mundiais em equipamentos. A John Deere é parceira da organização.

“Os princípios aplicados à criação de riqueza social não deveriam ser limitados exclusivamente às nações pobres ou às economias emergentes. Nos países do Primeiro Mundo também há setores da população que precisam de assistência urgente, como os desempregados ou os moradores de favelas”, avaliam os professores de gestão do Wharton Societal Wealth Program (University of Pennsylvania, Filadélfia, Estados Unidos) Ian MacMillan e James Thompson, que também é diretor da instituição projetada para assessorar os empreendedores na criação de empresas híbridas.

Os acadêmicos acham que as lições aprendidas pelos empreendedores assessorados em nações emergentes podem ser aplicadas por empreendedores de negócios e até pelas grandes multinacionais. “A geração de riqueza social conduz a um círculo virtuoso que não só soluciona problemas, mas também gera compradores globais”, acrescenta MacMillan. Porter diz algo similar quando explica que o conceito de criação de valor compartilhado implica reconhecer que as necessidades sociais –não só as econômicas– também definem mercados.

Em meados de 2011, a KickStart Kenya já havia tirado da pobreza mais de 577 mil pessoas com a criação de 115 mil pequenas empresas

Lições para criar valor

Mukesh Ambani, presidente e diretor-executivo do conglomerado Reliance Industries, sustenta que “dentro de 20 anos já não se falará das garagens do Vale do Silício, mas sim dos projetos nas áreas rurais da Índia, que depois serão implementados em larga escala em todo o mundo”.

David Green é o fundador da Aurolab, empresa híbrida indiana que desenvolveu modernos métodos de fabricação para produzir lentes intraoculares de baixo custo e conseguiu reduzir seu preço de mercado de US$ 150 para menos de US$ 10. A Aurolab cobra de seus pacientes pobres de acordo com seus rendimentos. Desde sua criação, em 1992, a empresa conseguiu posicionar--se em um setor difícil: vende 1,5 milhão de lentes intraoculares por ano, em 109 países, e possui quase 10% do mercado mundial desse produto.

“Apenas fazer o bem não garante o sucesso”, aponta Daniel Lubetzky, fundador da PeaceWorkers, companhia com fins lucrativos que promove a paz por meio da criação de negócios conjuntos entre indivíduos de diferentes nacionalidades, cujos países estão em guerra. “Entendi que não é possível avançar com uma ação social se seu modelo de negócio não vende, com a simples justificativa de que uma ação social não pode ser comercializada. De todo modo, ainda é necessário criar o melhor produto e vendê-lo pelo melhor preço.”

A proposta de criação de valor compartilhado está forçando empreendedores e companhias a rever os velhos modelos de geração de riqueza social. A ideia do comércio justo, um dos grandes postulados das ONGs norte-americanas na década de 1940, ficou caduca diante de teorias como as de Porter, para quem o comércio justo falha ao redistribuir valor em vez de criar valor e abrir novos mercados. Para Porter, o comércio justo deveria focar a melhoria das técnicas de cultivo e o fortalecimento das redes locais de fornecedores e outras instituições para aumentar a eficiência dos agricultores, o desempenho de suas colheitas, a qualidade de seus produtos e a sustentabilidade de seus negócios e, assim, elevar os ganhos de agricultores e empresas. Segundo Porter, a atual visão do comércio justo aumenta a renda dos produtores rurais entre 10% e 20%, enquanto uma nova visão pode elevá-la em mais de 300%.

MacMillan, professor da Wharton University, adverte que os empreendedores do novo milênio têm um grande desafio pela frente: devem demonstrar que são capazes de manter seu sentido de responsabilidade social enquanto lidam com aspectos de negócios que normalmente são enfrentados por start-ups. “Os fracassos nesse ambiente medem-se em termos financeiros e em custos espirituais. Não se pode tirar as esperanças das pessoas. Sempre há um plano B.” A chave está no trabalho conjunto e em montar iniciativas que ofereçam às pessoas ferramentas para que elas gerem valor.

Brasil é referência na área

A desigualdade social existente no Brasil é gigantesca; mesmo avançando, o Brasil fechou 2011 na 84ª posição entre 187 países do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) feito pelo Pnud, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Os miseráveis (com renda inferior a R$ 151 por mês) ainda são 28 milhões de pessoas ou 15,32% da população, segundo a pesquisa Emergentes dos emergentes, da Fundação GetuGetuliogas divulgada em meados de 2011. No entanto, o Brasil se tornou referência mundial em empreendedorismo social devido à queda recorde de 50% da quantidade de miseráveis nos últimos oito anos, desempenho superior a China, Índia, Rússia e outros países, conforme Marcelo Neri, coordenador da pesquisa. Ao lado da inclusão pelo consumo, com ações como o Bolsa Família, e pela educação, esse avanço contou com a ajuda de organizações híbridas, como o Crediamigo do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), considerado o melhor programa de microfinanças da América Latina pela publicação Microfinanzas Américas, do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Entre 2003 e 2011, cerca de 40 milhões de pessoas integraram a classe C aqui, e a equipe de Neri projeta que mais 32 milhões o farão nos próximos seis anos.

Chen Guangbiao e os benfeitores nus

Ele integra os novos rankings de multimilionários chineses. Ele ambiciona ser o “principal filantropo do mundo”. Ele paga aos jornais para que publiquem artigos a respeito de suas boas obras, como o jantar que teve com Bill Gates e Warren Buffett em 2011, quando os norte-americanos viajaram a Pequim para convencer os cidadãos mais ricos a unir-se ao esforço “Giving Pledge”, iniciativa cujo objetivo é que os multimilionários doem ao menos a metade de sua fortuna para filantropia. Ele é Chen Guangbiao, de 43 anos de idade e de origem pobre –filho de um pequeno agricultor–, mas hoje um magnata da reciclagem e o primeiro dos ricos chineses a aderir a essa iniciativa.

“Na China, a filantropia está se desenvolvendo muito rápido, comigo como modelo”, diz aquele que se autoproclama o “líder da filantropia chinesa”. Guangbiao vê em cada desastre natural –terremoto, tufão ou inundação– uma oportunidade para ser fotografado fazendo doações e explica que seu comportamento tem um propósito. Na China há mais multimilionários que em qualquer outro país do mundo, exceto nos Estados Unidos, e a crescente desigualdade entre ricos e pobres preocupa tanto as altas rodas do Partido Comunista como a militância.

Doador de altíssimo perfil

Em 2009, indivíduos, famílias e empresas da República Popular da China doaram US$ 5 bilhões a causas filantrópicas. A título de comparação, a maior organização de caridade dos Estados Unidos, a United Way, recebe por ano US$ 4 bilhões em doações. A China tem 2.083 organizações filantrópicas reconhecidas legalmente; os Estados Unidos, 920.434.

“Após a Revolução Comunista de 1949, a filantropia era vista como uma ferramenta das classes exploradoras para enganar os cidadãos”, conta Deng Guosheng, diretor do Centro para a Inovação e Gestão Social da Tsinghua University, de Pequim. “Se a pessoa tinha dinheiro para doar, significava que ela era burguesa. E se tinha razão para doá-lo, significava que o Estado não estava fazendo bem seu trabalho, e Mao também não.”

Em 2004, as leis que regulam as organizações filantrópicas se sua­vizaram e pela primeira vez, em mais de 50 anos, foi possível criar fundações privadas. Mas arrecadar dinheiro entre a população continua proibido, embora a classe enriquecida tenha cada vez mais interesse em fazer doações, explica Guangbiao.

Nascido em 1968, durante a Revolução Cultural, Guangbiao conhece bem a pobreza chinesa; durante grande parte de sua vida, ele foi um excluído. Seu pai era camponês em Sihong, na província de Jiangsu. Dois de seus irmãos morreram de fome e ele mal comia carne –somente em uma ocasião anual, durante o ano--novo chinês.

No final da década de 1990, o rapaz descobriu uma mina de ouro no meio da cidade: os canteiros de obras da construção civil. Foi quando Guangbiao se deu conta de que as ferragens e o concreto dos edifícios demolidos podiam ser comercializados. Sua companhia, a Jiangsu Huangpu Recycling Resources, foi uma das primeiras empresas chinesas de demolição e reciclagem de escombros. “A margem de ganho não é grande, mas a quantidade de material que movimentamos é enorme.”

De acordo com a Hurun Rich List de 2010 –a fonte mais confiável de estatísticas sobre riqueza na China–, Guangbiao está na posição 406ª entre os homens e mulheres mais ricos da nação. A última lista de multimilionários chineses da Forbes o colocou em 223º lugar, com uma fortuna estimada em US$ 675 milhões. Já a Hurun Rich List o declarou a quarta pessoa mais generosa da república chinesa.

Em 2010, Guangbiao anunciou que sua fortuna não seria herdada por seus filhos, mas sim por suas organizações filantrópicas. Na ocasião, o magnata afirmou: “Viemos ao mundo nus e assim partiremos”. Assim, tornou-se o primeiro de muitos “doadores nus” chineses e garante ter recrutado pelo menos mais cem multimilionários para sua lista de doadores nus.

Nas paredes de seu escritório central, em Nanjing, exibe fotos suas em tamanho real, como se fossem as passagens de sua via crucis particular: Guangbiao secando as lágrimas de uma menina; mais adiante, ele carregando um corpo após um terremoto. Em outra foto, ele aperta a mão do presidente Hu Jintao; na seguinte, cumprimenta o primeiro-mi-nistro Wen Jiabao; depois, os membros do órgão legislativo do Partido Comunista da China, e, finalmente, faz pose com Gates e Buffett.

Em 29 de setembro de 2010, um membro do governo chinês proibiu todos os jornais de publicar notícias negativas sobre Chen Guangbiao. “Gostaria de ir aos Estados Unidos para fazer doações lá também. O governo permitirá? As pessoas vão opor-se? Haverá polêmica? Acho que irei de qualquer modo”, revelou ele. (April Rabkin)

Chen Guangbiao
Chen Guangbiao