Negócios sociais já vêm sendo fundados em todos os cantos do Brasil, mas ainda faltam estatísticas específicas sobre eles. Um sinalizador de quantidade e organização é a Rede Folha de Empreendedores Socioambientais, formada em 2011, que reúne os finalistas dos prêmios Empreendedor Social e Empreendedor Social do Futuro desde 2005: ela tem 52 organizações, que são coordenadas por 57 líderes e beneficiam 596 mil pessoas. Não há nesse grupo, contudo, uma separação entre as organizações que dependem de doações e ajuda governamental e as que têm um modelo de negócio que gere receita, direta ou indiretamente (em parceria com uma empresa de fins lucrativos).

HSM Management reuniu quatro cases de negócios sociais segundo os parâmetros definidos neste Dossiê: preveem gerar receita própria e praticam inovação social –os quatro estimulam o empreendedorismo dos beneficiários para levar à autossustentabilidade. O último, inclusive, ilustra o empreendedorismo cívico, dentro do setor público.

1. PDE, da Fundação Telefônica Vivo

A Fundação Telefônica Vivo criou sua área de inovação social inspirada em um estudo da Fundação GetuGetuliogas em 2012 e, no início de 2013, desenvolveu a Plataforma de Desenvolvimento de Empreendedores (PDE). “O objetivo é trabalhar com jovens de comunidades para que eles empreendam projetos inovadores com o uso de tecnologias digitais”, explica Luis Fernando Guggenberger, gerente da área de inovação social e voluntariado da Fundação.

O foco inicial foi dirigido para os jovens de periferias rurais em Santa Cruz de Cabrália, na Bahia, e Belterra, no Pará. Na Bahia, a Fundação conta com a parceria da fabricante de equipamentos Qualcomm e da prefeitura local. A região tem grandes oportunidades de negócios para o período da Copa do Mundo, porque a seleção alemã ficará concentrada ali, em um resort. “Por conta disso, já foi desenvolvido um aplicativo de realidade aumentada, por exemplo, por meio do qual o turista tem informações sobre a região em seus tablets e smartphones”, conta Guggenberger.

Projetos Guerreiros Sem Armas
Projetos Guerreiros Sem Armas

A PDE é constituída de três etapas. A primeira é a de inspiração, para os jovens pensarem sobre seus sonhos e as necessidades de sua comunidade, porque nem todo jovem vai querer ser empreendedor ou terá essa aptidão. Esse módulo ajuda cada jovem a decidir sobre se deseja empreender.

Os que apresentam projetos de vida e aptidão para empreender passam para a segunda fase, na qual se trabalha com o design do negócio, conseguindo identificar problemas e oportunidades na comunidade e viabilizando a geração de dinheiro. “Colocamos uma série de ferramentas, oficinas, conceitos de checagem de protótipos para ver se a ideia de cada um é condizente com a realidade do local”, explica o gestor.

O jovem recebe apoio de gestão, marketing e comunicação para aprender a vender sua ideia e a buscar fonte de financiamento para seu projeto, apresenta-a em um pitching e recebe capital investidor de R$ 500 a R$ 1.000. “É importante que o jovem aprenda a gerir o negócio com pouco capital e saiba obter retorno para seu projeto”, justifica Guggenberger. No decorrer do processo, a PDE inclui um trabalho de mentoria.

O jovem que apresentar um empreendimento social ligado à tecnologia, seja novo uso de uma já existente ou criação de uma tecnologia, vai para a terceira fase, em que continuará com mentoria, mas também com capacitações mais robustas, de plataforma digital, assim como acesso à própria academia da Fundação, a Wayra –termo quíchua (língua indígena sul-americana) que significa “vento”.

Em 2013, a fase inicial da PDE mobilizou 350 jovens, mas somente quatro ou cinco devem chegar à terceira fase –indicador de que o uso da tecnologia para cumprir um papel social ainda está muito distante do jovem brasileiro.

Foi com a PDE que a área de inovação social da Telefônica Vivo incorporou o conceito de inovação social. “Muitos de nossos parceiros anteriores trabalhavam da forma tradicional de uma ONG, de captar recursos com o financiador, executar o projeto e concebê-lo sozinhos, muitas vezes sem consultar a comunidade, ouvir o desejo do jovem, olhar cenários de futuro”, diz Guggenberger. A PDE fez a empresa aproximar-se de três tipos de organizações com visão ostensivamente empreendedora –os fundos de investimento focados no desenvolvimento de negócios sociais, como a Vox Capital, de Antonio Ermírio de Moraes Neto; as aceleradoras, como a Artemísia; e as incubadoras, incluindo a própria Wayra, da Telefônica Vivo– e, consequentemente, adquiriu experiência.

“Entendemos que o caminho seria incubar empreendedores muito jovens e não fazê-lo de maneira individual, mas coletiva, com divisão de tarefas e de atribuições entre eles para que o projeto ficasse mais robusto”, afirma Guggenberger. Esse foi o desafio proposto pela PDE às organizações parceiras em cada localidade: a correalização do projeto e também a busca de mais parceiros fora da região. “Essa diversidade e a combinação de olhares, tanto o local como o externo, são o que provoca a inovação no território”, destaca o gestor da Fundação Telefônica Vivo.

Para 2014, foi criado o eixo de avaliação da PDE, um módulo de intercâmbio entre todos os parceiros para que cada um aprenda com a expertise do outro na prática. Há a intenção de criar uma plataforma na web para compartilhar o aprendizado e planos de expansão em São Paulo e Rio.

Projetos Guerreiros Sem Armas
Projetos Guerreiros Sem Armas

Menos ONGs

A Plataforma de Desenvolvimento de Empreendedores mudou a própria Fundação Telefônica Vivo, fazendo-a aproximar-se de fundos, aceleradoras e incubadoras

Jovens que participam da Plataforma de Desenvolvimento de Empreendedores, da Fundação Telefônica Vivo, em Belterra (PA)


2. Guerreiros Sem Armas, do Instituto Elos

Na década de 1990, um grupo de estudantes de arquitetura desejava aprender algo que a faculdade não ensinava: lidar com a realidade. Foram interagir com problemas urbanísticos, principalmente em favelas e periferias, e envolver o cliente na arquitetura. Esse grupo se dedicou, por exemplo, à restauração do Museu de Pesca de Santos (SP) com foco em sonho coletivo. “Então, ficamos conhecidos no meio estudantil no Brasil e no exterior, porque pegamos um museu em ruínas, abandonado havia dez anos, e o restauramos num projeto inovador, captando recursos e reabrindo-o ao público. Foi muito inspirador”, relembra Rodrigo Rubido Alonso, cofundador e diretor-executivo do Instituto Elos. Assim, surgiu o Guerreiros Sem Armas (GSA), para compartilhar a experiência com outros jovens e estudantes. O primeiro programa do GSA aconteceu em 1999, para formar jovens na metodologia que engaja pessoas em sonhos coletivos e realizá-los juntos, com um conteúdo social, levando a experiência no museu para as comunidades periféricas de Santos. O conteúdo inclui até a experiência de empreender, o que não faz parte do currículo das faculdades de arquitetura. “Por uma ansiedade de ver pronto aquilo que estávamos experimentando [no projeto do museu], acabamos aprendendo a empreender para aprender”, comenta Alonso. O GSA já nasceu global e levou jovens de seis países sul-americanos para conhecer profundamente comunidades e pessoas da região de Santos, em 32 dias de imersão. “Para nós, era quase uma experiência acadêmica, mas o resultado nas comunidades surpreendeu. Ao final de 1999, as três comunidades trabalhadas formaram associação de moradores e iniciaram novos projetos. Havíamos criado algo maior do que imaginávamos”, revela.

Nasceu algo maior no Guerreiros Sem Armas: as comunidades passaram a criar mais projetos, obrigando o GSA a expandir-se

Projetos Guerreiros Sem Armas
Projetos Guerreiros Sem Armas

No ano seguinte, o grupo terminou a faculdade, percebeu que não dava mais para seguir uma carreira tradicional e criou o Elos, a organização que dá suporte ao GSA e a outros programas sociais. Hoje, o GSA é aberto a todos –estudantes universitários, líderes comunitários, executivos de empresas– e tem abrangência mundial. Ele acontece a cada 18 meses, e a última edição recebeu 700 inscrições de 60 países.

Os inscritos passam por um processo que seleciona 60 participantes por programa. “Além da questão multicultural, nós nos diferenciamos pela diversidade em todos os sentidos, de países, de pessoas, de culturas”, diz Alonso, revelando que a iniciativa já atraiu de um presidente de empresa do Brasil a um líder de comunidade do Zimbábue, de um estudante de MBA da Suécia a um indígena da Amazônia.

“É gente que se encontra para trabalhar por um propósito comum, que é construir outro mundo, muito melhor do que este em que vivemos hoje.”

Embora faça trabalhos sustentados por doações, o Instituto Elos gera 90% de sua receita, proveniente da venda de produtos e serviços, como cursos, treinamentos e consultoria para governos, empresas e organismos internacionais.

Seus clientes são tanto governos como empresas privadas. Governos o contratam para dar consultoria em políticas de participação cidadã; empresas querem que apoie a formação de lideranças e até conduza processos seletivos com outra perspectiva. Todos os anos, desde 2010, a equipe do Elos viaja para a Holanda para a construção e o fortalecimento de comunidades. As cidades de lá desejam que os moradores dos bairros conversem para se auto-organizar e cuidem de seu canto.

Já o GSA sustenta-se com patrocínios. “Historicamente, estamos a caminho de fazer o programa menos dependente de patrocínio”, diz Alonso. Até 2013, 70% da receita vinha de parceiros, e os 30% restantes, do pagamento de inscrições pelos próprios participantes –cada um deles custa para o Elos R$ 11 mil, mas 50% desse valor é subsidiado pelos parceiros. “É claro que temos espaço de marketing para os patrocinadores, mas o maior interesse de quem financia o programa é fazer parte do trabalho”, comenta Alonso.

Entre esses sponsors estão o Instituto Asas, ONG ligada à Red Bull, e o Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal, que busca metodologias de desenvolvimento territorial das comunidades. Já a Santos Brasil, operadora logística do porto de Santos, investe no GSA porque quer formar melhor sua equipe.

3. Impact Hub, Inovação Social em Rede

Impact Hub, rede global de empreendedores de impacto com presença brasileira
Impact Hub, rede global de empreendedores de impacto com presença brasileira

O Impact Hub começou em Londres, em 2005, e, um ano depois, já era iniciado em São Paulo. Trata-se de uma rede global de espaços, pessoas e ideias empreendedoras para inovação social. O objetivo é que os integrantes da rede possam crescer juntos e aprimorar suas habilidades –e também que sejam desenvolvidos modelos de negócio visando as necessidades da sociedade mundial e, ao mesmo tempo, gerando lucro.

O Impact Hub São Paulo é sócio do de Londres e de todos os demais. Ao todo, são perto de 25 mil m2 de espaço em cerca de 50 cidades e em torno de 8 mil membros. “Viramos uma multinacional com gestão descentralizada”, avisa Henrique Bussacos, que cuida da gestão geral do Impact Hub São Paulo. Além dos espaços e laboratórios e do apoio mútuo, a rede realiza cursos e workshops pela Hub Escola com foco em inovação social na prática, incuba negócios sociais e oferece consultoria para grandes empresas.

O Impact Hub começou mapeando e unindo inspiradores. “Eu e meu sócio, o Pablo Handl, nos envolvemos na rede Pioneers of Change, que era um movimento. Então, fomos conversando com diversas pessoas ligadas a questões sociais, perguntando a cada uma quem a inspirava. Com esses nomes, fomos montando a rede de inspiradores”, relembra Bussacos. Paralelamente, eles lançaram o primeiro sistema de coworking no Brasil e criaram um programa de incubação de empresas, o Impact Hub Fellowship, com a WWF Suíça e o Instituto Asas (Red Bull).

Atualmente, há Impact Hub em São Paulo (SP), Recife (PE), Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR). Em breve, haverá um no Rio de Janeiro (RJ) e preveem-se mais expansões por causa do interesse criado, como informa Bussacos.

“Acreditamos que um mundo melhor surge com realizações conjuntas de indivíduos criativos, comprometidos, apaixonados e focados em um propósito comum”, destaca, lembrando a definição do que é o Impact Hub em seu website. Para Bussacos, a inovação aberta e a inteligência de redes são mais do que um meio para compartilhar ideias entre pessoas com os mesmos interesses e objetivos; servem para fazer fluir valores a serem compartilhados.

De acordo com o empreendedor social, o modelo financeiro do Impact Hub é baseado na rede, com o serviço de membership que oferece descontos. “É um pacote de serviços para apoiar as pessoas, as empresas, as organizações sociais e os agentes livres. Os 250 membros em São Paulo que pagam anuidade geram a receita”, detalha. Um dos membros, por exemplo, é Mariângela Correa, médica oncologista que identificou demanda para mentoria e assessoria a profissionais da saúde no desenvolvimento de metodologias para a elaboração de projetos de pesquisa.

Mariângela Correa, membro do Impact Hub e médica oncologista
Mariângela Correa, membro do Impact Hub e médica oncologista

Além disso, mais de 4 mil pessoas já passaram pela Hub Escola, pagando por isso, em seus dois festivais anuais, em fevereiro e agosto, e em outras atividades ao longo do ano. “A Hub Escola foi criada no Brasil para dar fluidez ao conhecimento colaborativo e, em 2015, queremos levá-la para outros países.” Já o programa de incubação conta com parceiros financiadores. As demais fontes de receita são do aluguel do espaço próprio para eventos e da prestação de serviços de consultoria.

Cada hub tem equipe que varia de três a vinte pessoas, sendo que a maior é a do Vale do Silício, nos EUA. Em São Paulo, são dez pessoas, principalmente jovens talentos que trabalham com gestão.

Jovens talentos

A equipe do Impact Hub São Paulo é composta principalmente por jovens com formação em gestão que estão em busca de um propósito para sua vida

4. Sabão DuVale –Fábrica de sabão ecológico de Garanhuns (PE)

Logo do Sabão DuVale, de Garanhuns (PE), que vende sabão produzido pela comunidade com óleo de cozinha reciclado
Logo do Sabão DuVale, de Garanhuns (PE), que vende sabão produzido pela comunidade com óleo de cozinha reciclado

Há também casos em que a iniciativa do negócio social parte do governo. Foi assim que aconteceu com a Prefeitura de Garanhuns, no interior de Pernambuco, que fundou em 2011 a Fábrica de Sabão Ecológico, para resgate e inclusão das comunidades menos favorecidas da região.

“O objetivo principal sempre foi o fortalecimento do capital social, humano e financeiro visando a geração de emprego e renda para a promoção do desenvolvimento econômico local”, afirma Geandré Miécio Bezerra Nogueira, secretário de Desenvolvimento Econômico de Garanhuns.

Atualmente a Fábrica de Sabão Ecológico encontra-se na comunidade conhecida como Vale do Mundaú, que serviu de inspiração para a marca: Sabão DuVale. “A Fábrica de Sabão Ecológico foi planejada em parâmetros estratégicos básicos visando a constituição de um arranjo produtivo econômico solidário e autossustentável, unindo inclusão econômica e social, desenvolvimento local e economia solidária”, diz Nogueira.

Os principais parceiros da empreitada são os 29 restaurantes e bares do município, o Sesc local e a multinacional Unilever, que doam o óleo usado, reprocessado na fábrica para a produção do sabão ecológico. A comunidade do Vale do Mundaú é a beneficiária direta da iniciativa, mas o secretário percebe que os efeitos do empreendimento vão além: “Quando se faz um trabalho visando a promoção social, ambiental e econômica ao mesmo tempo, o beneficiário é a sociedade como um todo”.

Embora o desenho da Fábrica de Sabão Ecológico seja típico de negócio social e ela gere receita, a unidade fabril ainda depende do apoio financeiro da prefeitura. É que, como a própria Secretaria de Desenvolvimento Econômico local admite, ainda há muitos pontos de negócios a serem melhorados.

O principal desafio diz respeito a ampliar o mercado comprador para o sabão ecológico. “Boa parte da renda hoje se faz apenas com a venda do sabão em feiras livres, o que limita bastante o lucro das famílias envolvidas”, diz Nogueira.

O Sabão DuVale ainda enfrenta desafios de negócios típicos, como o de ampliar seu mercado, com uma rede de distribuição que não se limite às feiras livres